
A invencibilidade do Ocidente, particularmente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tem sido vaticinada aos quatro ventos como um elemento fundamental de uma possível vitória da Ucrânia na guerra contra a Rússia. O sonho equivocado de alguns “estrategistas” presumia uma ação norte-americana de sucesso, em particular, na Ucrânia, com uma vitória esmagadora sobre a Rússia, e, a partir disso, uma ação também exitosa em Taiwan contra a China. Com isto, os Estados Unidos consolidariam sua posição hegemônica global por mais um século. Estas duas expectativas – passados 18 meses da guerra – não passam mais que devaneios de um Ocidente que declina e não entende a razão da diluição de sua relevância.
O fato é que existe um binômio importante na ação russa na Ucrânia: território e neutralidade. A Rússia, ao quebrar todas as regras do direito internacional quanto à invasão de um território, tinha claro que seu objetivo era assegurar algumas questões estratégicas quanto ao acesso ao Mar Negro. Também compreendia o enfraquecimento do governo ucraniano – não importa o matiz ideológico que venha a ter – quanto às suas pretensões futuras no tocante à afiliação à União Europeia ou à OTAN. Com uma parte substancial do território tomado pela Rússia, qualquer governo que assumir a liderança do país em Kiev terá de conviver num estado de beligerância fria com um vizinho que tem uma enorme capacidade militar e resiliência comprovada. Presumir que a Rússia abriria mão dos territórios invadidos é um devaneio, porque a ação de Putin deixa claro que, não importa o que aconteça, a Ucrânia jamais pode tornar-se uma aliada militar de primeira hora da OTAN.
O segundo objetivo da ação russa era assegurar um alinhamento automático da Ucrânia com a Rússia. Esta hipótese, em razão do histórico negativo que persistirá após o fim do conflito, é improvável de acontecer, até porque todo governante que suceder a Volodymyr Zelensky terá que, necessariamente, de maneira pública, condenar a ação russa no território ucraniano. No entanto, o objetivo russo é obter da Ucrânia uma neutralidade forçada, tanto com relação à OTAN quanto à União Europeia. Com um país reduzido territorialmente, com capacidade militar reduzida, ficará impossível à OTAN aceitar a Ucrânia como país membro, até porque colocaria a própria organização já em conflito com a Rússia, uma potência nuclearmente armada que poderia criar uma devastação que o continente europeu jamais experimentou. Putin pode até admitir uma participação maior da União Europeia na Ucrânia, mas o objetivo desta atuação teria muito mais a ver com a reconstrução do país que um alinhamento completo aos valores comunitários.
À medida que o tempo passa, os norte-americanos deverão dar-se conta de que a continuidade da guerra na Ucrânia, com a assunção de crescentes compromissos militares e econômicos com a Europa, enfraquecerá as tentativas de contenção da China no Extremo Oriente. A China – com uma retórica mais pacificista de cooperação e comércio – tem-se revelado um adversário resiliente e inteligente para os Estados Unidos, que tem utilizado do cipoal de medidas da Guerra Fria equivocadamente, acreditando que tais medidas – aplicáveis à então União Soviética – poderão surtir efeito na guerra fria à China. Ledo engano!
O fato é que para Washington, apesar do enorme lobby da indústria da defesa, não interessa uma guerra contra a China, porque seria prejudicial economica e políticamente, em que pesem as manifestações tresloucadas de alguns membros do Congresso norte-americano. É importante ressaltar, ainda, que uma guerra continuada na Ucrânia – que pode durar mais dois ou três anos – será um poço sem fundo na questão de recursos militares e econômicos. E, contrariamente ao que se apregoava no passado, os Estados Unidos não têm condição de levar duas guerras adiante ao mesmo tempo, particularmente se os adversários forem Rússia e China.
A Guerra na Ucrânia também tem sido responsável por fortalecer um grande temor dos Estados Unidos: a proximidade entre Moscou e Beijing. Xi Jinping e Vladimir Putin, que já se encontraram dezenas de vezes, aproximaram-se ainda mais na questão de refrear o ímpeto hegemônico dos Estados Unidos. Se, no passado, Washington lograva obter apoio da comunidade internacional para a implantação de sua agenda, o posicionamento do Sul Global com relação à guerra na Ucrânia tem comprovado que o poderio de influência do Ocidente tem diluído substancialmente nas últimas décadas e de uma forma praticamente irreversível. Ao Ocidente também falta o bolso e a generosidade chinesa para implantar projetos de infraestrutura mundo afora, o que facilita uma maior proximidade com a China.
O fato é que, em que pese uma narrativa exitosa construída pela mídia ocidental quanto à atuação ucraniana na guerra e a ausência de dados e transparência quanto às suas perdas no fronte, esta é uma guerra que continuará por anos, nem sempre no campo de batalha. O Ocidente deveria fazer uma análise sobre a maneira que forçou a Ucrânia a abraçar uma estratégia equivocada de confronto a Moscou.
Por fim, é importante relembrar que atuação da Rússia na Ucrânia foi totalmente ilegal. O Ocidente, porém, talvez por ingenuidade na ação, ou ganância para reter poder e influência, errou feio na maneira de atuar na questão da Ucrânia.