Cada página virada sussurra um pouco de nós. É com essa crença que mergulho nas palavras deste relato.
No dia 10 de junho de 1983, na periferia fervilhante de São Paulo, um garoto viu a luz do mundo. Dizem que essa data marcou o caminho desse menino, nascido em meio a uma família de simplicidade entrelaçada com desafios. O pai, amigo íntimo da garrafa, e a mãe, devota até o último fio de cabelo à fé protestante, depositavam todas as suas esperanças nos ensinamentos sagrados da Bíblia. Ela agarrava-se à promessa divina de que, um dia, a paz reinaria naquele lar. Havia a promessa de que seu marido encontraria o divino, abraçaria a religião e o futuro dos filhos floresceria. Tudo aquilo era vivido com a expectativa de uma transformação súbita, de uma virada de página mágica.
E é nesse pano de fundo que o garoto, trazido à luz no Dia da Língua Portuguesa, costurou seus primeiros anos de vida. O lar desprovido de livros, onde o aroma era de trabalho árduo e onde lágrimas e sofrimento eram quase palpáveis. A escola, um oásis de alívio para muitos pequenos, tornou-se refúgio para ele. Naqueles corredores, descobriu o significado de ser gente, de amar, de enfrentar desilusões, de aprender e de ensinar. Cada um desses elementos, fios entrelaçados, formou o tecido de sua jornada.
Aos dez anos, a vida parecia empenhada em conduzi-lo a um destino onde a magia era trocada por tarefas monótonas, onde o cheiro era de trabalho árido, não de encantamento. Em um posto de combustíveis, ele lavou para-brisas, abasteceu veículos que cruzavam estradas carregadas de histórias, porém, o destino, teimoso como sempre é, reservava-lhe o papel de polir não só vidros, mas também as lentes daqueles capazes de vislumbrar a beleza da existência.
Quando completou doze anos, querendo ser dono de sua vida, percebeu quão vasto era o mundo que ansiava conhecer, mesmo que soubesse apenas a silhueta desse universo. Depois que a escola passou por ele, assim como por tantas outras crianças, um raio de esperança riscou o céu. Era um raio com cheiro de humanidade, de poeira acumulada nos livros, de estradas poeirentas, de terra sob as unhas, de chapéus empoeirados – era um raio que englobava tudo.
Na escola, a sinestesia da vida se desdobrava. Professores se tornavam arquitetos de sonhos e ele, o aprendiz. Fome por conhecimento e sede por sabedoria eram alimentadas. Nos mundos revelados, mesmo quando os autores tentavam conduzi-los com mãos firmes, ele aprendeu a desfocar sua visão e conectar as tramas, permitindo que a narrativa de sua própria vida ganhasse matizes singulares.
Na juventude, os livros não bastavam para esculpir o homem em formação. Ele almejava mais. Assim, a universidade abriu seus portões e a luz ressurgiu. Ele se tornou um guia na trilha da educação, desbravando caminhos como professor na escola pública. O reconhecimento interno preenchia lacunas, mas ainda existia um espaço vago. Então, a busca por conhecimento se intensificou, com incursões na pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Páginas escritas, sonhos concretizados, lugares explorados – terreno que a literatura lhe apresentara primeiro. Agora, aos quarenta, tem a convicção de que outros quarenta anos podem não ser suficientes para degustar todas as páginas que anseia ler e viver cada experiência que ainda aguarda. Para ele, a educação e a vida são como rios entrelaçados, moldando um ao outro, fluindo em sincronia.
Quer conhecer o garoto? Veja se ele está aí, bem pertinho de você.