
João Tessari – Como economistas estamos habituados com algumas métricas e conceitos econômicos que muitas vezes não são amplamente divulgados e, portanto, não são naturais para boa parte das pessoas. Decidi escrever esse texto, uma vez que acredito que alguns deles possam ajudar a esclarecer a perspectiva atual de inflação e juros em diversas regiões do mundo que, a princípio, pode parecer contraditória.
Um dos principais pontos de atenção dos agentes de mercado atualmente são os próximos passos que serão adotados pelo Banco Central americano. A visão consensual é de que a próxima reunião do conselho de política monetária, que acontece durante a próxima terça e quarta-feira (25 e 26 de julho), deve promover a última elevação de juros e marcar o final do ciclo de aperto monetário que teve início em março de 2022.
Entretanto, ainda há dúvidas se o próximo aumento de 25bps na taxa de juros americana será de fato o último, ou se o conselho monetário vai adotar uma postura de maior cautela e optar por deixar o ciclo de elevação de juros ainda em aberto. Ainda, os discursos mais recentes do presidente do banco central americano, Jerome Powell, têm indicado que a taxa de juros americana deve permanecer em nível elevado por um período relativamente longo de tempo (“higher for longer”).
Nesse sentido, pode ser natural que muitos se façam a seguinte pergunta: se a inflação nos Estados Unidos já está caindo, por que ainda não estamos discutindo redução da taxa de juros? Pelo contrário, os formuladores de política indicam que devem deixar a taxa elevada por um período mais longo e, adicionalmente, ainda existe dúvida se de fato a próxima elevação de juros será de fato a última do ciclo.
A resposta está no fato de que os bancos centrais, de forma geral, não tomam suas decisões olhando para a inflação corrente. Além disso, costumam utilizar métricas alternativas de inflação que excluem os itens mais voláteis da cesta de consumo. Esses indicadores de inflação são conhecidos como núcleos de inflação.
A principal medida de inflação utilizada pelo Fed é o núcleo do Índice de Preços para Gastos de Consumo Pessoal (Core PCE, em inglês), enquanto a medida de inflação mais conhecida e amplamente divulgada pela mídia é medida através de Índice de Preços ao Consumidor (CPI, em inglês). Nesse sentido, notamos pelo gráfico abaixo que a queda da inflação medida pelo Core PCE é menor quando comparada a inflação medida através do CPI.

Com isso, outra pergunta que pode surgir naturalmente é a seguinte: por que os bancos centrais olham para métricas de inflação que excluem os itens mais voláteis da cesta de bens, sendo que esses itens são consumidos pelos indivíduos e seus preços, consequentemente, afetam as decisões e o bem-estar deles?
Existem algumas variações de medidas de núcleo de inflação. Entretanto, de modo geral, elas excluem preços de alimentos e energia. Os preços desses itens comumente apresentam volatilidade elevada e costumam oscilar diante de choques transitórios. Além de diversas vezes apresentarem um caráter transitório esses choques podem não ter relação com questões monetárias.
Por exemplo, o Brasil é um importante produtor mundial de soja. Como resultado de um choque climático inesperado a produção brasileira de soja é drasticamente reduzida, fazendo com que a oferta mundial de soja diminua significativamente e seu preço aumente. Ademais, o aumento do preço da soja acabaria afetando toda a cadeia produtiva e de distribuição que depende desse insumo. Nesse caso, temos um choque transitório que é caracterizado pelo aumento temporário dos preços e sobre o qual o Fed não tem nenhum poder de influência; portanto, uma elevação dos juros nos Estados Unidos provavelmente não contribuiria em nada para reduzir os preços.
Nesse sentido, as ações dos bancos centrais seriam ineficazes, tendo em vista as ferramentas que eles têm à disposição. Por exemplo, a reação dos bancos centrais diante do movimento de elevação de preços iniciado ao final da pandemia não começou imediatamente, uma vez que muitos consideraram ser um movimento transitório e ligado a distorções na cadeia produtiva gerado pelas restrições impostas durante o período de lockdown. A invasão da Ucrânia acabou, posteriormente, reforçando esse movimento, uma vez que tanto a Rússia quanto a Ucrânia desempenham papel importante no fornecimento global de algumas commodities.
Ao responder à choques transitórios e, em especial, que não podem ser endereçados com base das ferramentas que os Bancos Centrais possuem, os formuladores de política monetária poderiam estar incorrendo em erros, elevando a taxa de juros de modo desnecessário.
Entretanto, ao mesmo tempo em que a elevação inicial estava possivelmente atrelada a movimento de oferta e, portanto, demandava cautela por parte dos bancos centrais. Temos o outro lado da mesma moeda atuando neste momento. Grande parte do movimento de queda da inflação que estamos vivenciando está atrelada ao retorno a níveis usuais do preço de diversos itens alimentícios e de energiacommodities que geraram o movimento inicial de elevação dos preços.
Com isso, o argumento oposto ao que desenvolvemos até este momento é válido. Os bancos centrais agora apresentam uma postura cautelosa para não relaxar o movimento de aperto monetário cedo demais. Inclusive, temos visto constantemente na fala do presidente do banco central americano o discurso de “higher for longer”. Cabe ressaltar também que o core PCE ainda se encontra em níveis historicamente bastante elevado e distante da meta de inflação do banco central americano que é de 2%, como é possível verificar no gráfico mostrado anteriormente.
Como destacou a matéria publicada pela CNN (The Fed likely won’t cut rates this year. Why that’s good news for markets | CNN Business), cortar a taxa de juros de modo prematuro pode trazer consequências econômicas bastante graves. Entre 1972 e 1974 o então presidente do Fed, Arthur Burns, elevou as taxas de juros para combater a inflação e, posteriormente, promoveu a redução dessas taxas diante da contração da economia. Porém, esses cortes ocorreram muito cedo e a inflação voltou a subir, demandando uma elevação bastante agressiva da taxa de juros por parte do próximo presidente do Fed, Paul Volcker, implicando em um custo econômico elevado. Nesse aspecto, inclusive, os dados de atividade para a economia americana estão surpreendendo de modo positivo recentemente, afastando em parte a preocupação dos agentes com uma possível recessão.
Em adição, as expectativas de inflação de 2 anos para os Estados Unidos derivada do mercado havia caído abaixo da marca de 2%, sugerindo que pelo menos os investidores, estavam confiantes de que o aumento de 500 pontos-base na taxa de juros promovido pelo Fed desde março do ano passado levaria a inflação de volta à meta dentro de dois anos. Entretanto, essa métrica voltou a subir em julho. As expectativas de inflação desempenham papel importante no processo de formação dos preços, tanto pelo comportamento dos consumidores e das empresas ao tentar antecipar movimentos futuros dos preços, quanto pela indexação de contratos e salários.

Cabe destacar outro fator que dificulta (e muito!) a condução da política monetária e que não pode ser resolvido simplesmente observando métricas de núcleos de inflação. Os efeitos da política monetária na atividade econômica e, consequentemente na inflação, ocorrem de maneira defasada.
O presidente do Federal Reserva de Atlanta, Raphael Bostic, escreveu em novembro de 2022 que as pesquisas indicam que os efeitos da elevação da taxa de juros podem demorar de 18 meses a 2 anos ou mais para afetar materialmente a inflação. Enquanto isso, em janeiro de 2023, o um dos diretores do Fed, Christopher Waller, indicou que essa defasagem para a economia americana está entre 9 e 12 meses. (Fonte: Federal Reserve Bank of St. Loius – 24/mai/2023)
Nessa direção, ao mesmo tempo em que há preocupação com o núcleo de inflação ainda estar em nível historicamente elevado, existe a preocupação em acertar a dose para não desencadear uma queda de atividade maior do que a necessária, tarefa bastante complicada diante do que foi exposto no parágrafo acima.
Com isso, conseguimos compreender o que explica a composição atual da curva de juros nos Estados Unidos, que está “invertida”, ou seja, as taxas de juros para horizontes mais curtos estão mais elevadas do que as taxas de juros para horizontes mais longos. Usualmente, para qualquer devedor, deveria ser mais barato tomar emprestado para períodos curtos do que para períodos mais longos, uma vez que temos menos informações e mais incertezas sobre horizontes de tempo mais longos e, portanto, são considerados mais arriscados. Os agentes, consequentemente, acreditam que o banco central terá que reverter de maneira relativamente rápida sua postura.

Diante da discussão acima, encontramos argumentos tanto para ser cauteloso, quanto para seguir com uma política monetária restritiva. De acordo com a projeções dos membros do Fed publicada na última decisão, eles acreditam que a taxa de juros americana estará em 5.6% ao final de 2023, ou seja, enxergam que mais de uma alta de 25bps ainda será necessária. Enquanto isso, os mercados estão precificando apenas mais elevação da taxa, como mostra o gráfico do Financial Times abaixo.

Os investidores estarão atentos não somente a decisão que será divulgada na próxima quarta-feira (26 de julho), mas também aos comentários de Powell em busca de indícios se mais elevações de juros serão necessárias até o final do ano.
Qual das duas posturas está correta? Talvez só descobriremos com o tempo…ou quem sabe na próxima quarta-feira…
RESULTADOS
E além da importante decisão de juros, vale lembrar que a safra de balanços segue intensa nos EUA. Abaixo a agenda dessa semana. Para conferir resumos atualizados dos resultados das empresas americanas, nos siga em nosso Telegram.

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*João Tessari é estrategista da Avenue Securities