Neste 14 de julho, celebramos o 234º aniversário da Revolução Francesa, que findou o Antigo Regime na França e estabeleceu as bases do ideário político e social que tem prevalecido no mundo ocidental nos últimos três séculos. Sob o manto de ideias como liberdade, igualdade e fraternidade, a Revolução Francesa foi uma das mais violentas da história. Os princípios, no entanto, passaram a ocupar um lugar importante em vários movimentos políticos mundiais. Os 3 princípios de liberdade se refletiram na construção de muitos dos documentos que norteiam as relações internacionais e até mesmo a própria Organização das Nações Unidas.
A realidade, no entanto, é que a humanidade ainda está muito longe de atingir estes três valores fundamentais. A liberdade – em sua acepção mais ampla – está cada vez mais cerceada, na imprensa, na expressão, ou na opinião. A ditadura do politicamente correto, que ganhou uma nova dimensão com as mídias sociais, transformou toda e qualquer manifestação numa possibilidade de cancelamento. A vigilância sobre aquilo que falamos, escrevemos ou até pensamos se tornou muito pior do que George Orwell pensava a respeito quando escreveu o clássico 1984. As novas tecnologias, que deveriam servir como instrumentos de maior liberdade de ação, transformaram-se em mecanismos facilitadores para que a opressão seja exercida, tanto por órgãos estatais como privados. O telefone celular – que possui uma vasta gama de possibilidades de uso positivo – transformou-se numa arma de destruição de reputações, quebra de privacidade e num instrumento de divulgação de informações falsas e de polarização social. Graham Bell jamais teria imaginado que o aparelho que inventara poderia transformar-se num mecanismo de opressão social.
A questão da igualdade teve relativa evolução. Deixamos, no caso brasileiro, de ser uma sociedade escravocata baseada num modelo econômico de exploração e aviltamento da condição humana. No entanto, a evolução da condição social ainda é preocupante. Ainda existe muita pobreza no mundo e constitui impedimento de maiores avanços. A pobreza – que para muitos pode servir como um instrumento de exploração política – é ruim ao crescimento e desenvolvimento de uma nação. A falta de igualdade no acesso a coisas básicas como educação, saúde, moradia e alimentação cria verdadeiros abismos sociais, cujo impacto é a condenação da sociedade a viver aquém de suas possibilidades. Engana-se quem acredita na sustentabilidade de um grupo político no poder baseado na situação econômica precária da população.
Quanto à fraternidade, talvez seja este um dos princípios mais difíceis de implementação. Afinal, na raiz da palavra, o conceito de irmandade deveria refletir a harmonia e união entre aqueles que são próximos ou que têm objetivos comuns. Considerando que a diferença de vida entre os seres humanos é somente nos detalhes e que, de alguma forma, estamos todos sujeitos às mesmas experiências, a fraternidade deveria ser um objetivo primário para facilitar a cooperação e a harmonia social. No entanto, à medida que a história prossegue, mas a sociedade busca diferenciar-se, por meio do status, crenças religiosas, posicionamentos políticos e sociais, além das distinções de raça, gênero e sexualidade. O caminho a percorrer ainda é longo para atingirmos o ideário de 1789.
*Marcus Vinicius de Freitas é professor Visitante da China Foreign Affairs University