No último artigo que publiquei aqui na BM&C News, falei sobre a minha experiência em Israel e os fatores que levaram o país a ser chamado de “Nação das Startups”. Mas, ao que tudo indica, o apelido será atualizado para “Nação das Scaleups”.
Um reflexo disso é a quantidade de deals que o país registrou nos últimos dois anos: foram 1.442 transações, somando um total de US$ 40,8 bilhões. Cibersegurança, fintech e Internet das Coisas (IoT) foram as verticais de maior destaque, conforme mostra o relatório Israeli Tech Review 2022.
Não dá pra negar que a infraestrutura e a cultura de inovação existente em Israel torna o país um terreno fértil e pulsante para que as startups atinjam um estágio de expansão e crescimento acelerado. Além disso, quase metade dos israelenses entre 25 e 34 anos possui educação superior (46%). No Brasil, este percentual é de 21%.
Ainda que à primeira vista o combo incentivo, infraestrutura e capacitação pareça ser o suficiente para que uma startup ultrapasse o Vale da Morte, ele não é garantia de sucesso. Vou explicar por quê.
Imagine um founder brilhante, vamos chamá-lo de Enzo Silva. O empreendedor, de 30 anos, tem um histórico impecável. Se formou em engenharia de computação na Yale, uma das melhores universidades dos Estados Unidos, é um profissional experiente e conquistou resultados expressivos nas empresas onde trabalhou.
Certo dia, Enzo tem uma ideia de produto matadora e, como é de se esperar, fica muito empolgado. Antes de mais nada, ele contrata uma grande consultoria para fazer uma market research, com o objetivo de analisar se, de fato, há um mercado para sua ideia.
O próximo passo é elaborar um business plan. Enzo decide contratar uma das auditorias Big Four para ajudá-lo a traçar um caminho e, após três meses de trabalho, as projeções são promissoras.
Para completar, o empreendedor começa a buscar investidores até encontrar um fundo de Venture Capital que topa apoiar sua ideia de negócio, injetando o capital necessário para que ele amplie o time da startup. Enzo decide contratar um diretor de tecnologia e operações, e uma equipe de suporte especializada. Depois de algumas versões-teste, o CTO chega à conclusão de que o produto ainda não está bom e precisa de ajustes. Em paralelo, a startup começa a ganhar espaço nos principais veículos e revistas de negócio, ganhando relevância na mídia. Enzo é convidado a dar entrevistas e a palestrar em diversos eventos do setor onde todos celebram o futuro promissor de sua startup. Qual a probabilidade de o negócio dar certo?
Como diz o ditado: “nem tudo que reluz é ouro.”
O produto continua apresentando problemas, mas, mesmo assim, por conta da pressão dos investidores, Enzo decide lançá-lo no mercado. O resultado? Uma queda catastrófica! O produto não teve a aderência de mercado esperada.
Provavelmente você já ouviu ou conhece uma história parecida com essa. Como não lembrar de Elizabeth Holmes, da Theranos, cuja empresa chegou a ser avaliada em US$ 9 bilhões e começou a ruir depois que o The Wall Street Journal publicou que sua máquina de diagnóstico não funcionava. Outro exemplo é o WeWork de Adam Neumann que, após protocolar o IPO, viu sua avaliação cair mais da metade e teve sua oferta pública totalmente cancelada ao evidenciar a queima de caixa. Podemos citar ainda a Charlie Javice, ex-CEO da Frank, plataforma de financiamento estudantil, por supostamente fraudar o JPMorgan Chase na aquisição de sua empresa por US$ 175 milhões com informações falsas.
No papel, o Enzo tinha tudo para criar uma startup com potencial de se tornar uma scaleup: experiência, pesquisa de mercado, plano de negócio, profissionais fora da curva. Mas, na prática, não foi bem assim. Por quê? O fato é: a maioria das startups falham.
Os motivos que levam à falência são diversos. De acordo com análise da CB Insights, 38% das startups falham por questões financeiras – seja por ficar sem dinheiro, seja por não conseguir captar investimento. A ausência de mercado é a segunda maior razão do fracasso, com 35%. Inclusive, mais startups falham por falta de clientes do que por problemas no desenvolvimento de produtos, conforme podemos ver no infográfico abaixo.
Ou seja, de nada adianta ter um produto incrível, se não houver usuários. Se pudéssemos resumir a falência de startups em uma equação que adaptei do meu professor da Technion, Rami Gazit, ficaria assim:
Plano ruim (ausência de validação dos consumidores) + Execução perfeita = Falha gloriosa
Além dos motivos listados pela CB Insights, gostaria de adicionar mais um fator que leva muitas startups ao “Vale da Morte”: escalar de forma prematura, ou premature scaling, em inglês. Isso acontece quando a empresa se expande mais rápido do que está preparada, tanto do ponto de vista de operação como do produto.
Contratação excessiva de funcionários, aquisição incontrolável de clientes, foco intenso na engenharia e arrecadação de uma grande quantidade de dinheiro cedo demais, são alguns exemplos de escalabilidade prematura.
Afinal, existe alguma estratégia para evitar essas falhas? Sim! Crie algo que as pessoas (consumidores) realmente querem e/ou precisam. E o que fazer para reduzir o risco de falha? Uma forma é por meio de ciclos rápidos de iteração e experimentação, validando os aprendizados obtidos até chegar em um produto pronto para o mercado.
Neste processo, é fundamental que o modelo de negócio como um todo seja validado, ou seja, como a startup cria, entrega e captura valor. As premissas mais arriscadas devem ser as primeiras a serem provadas; o preço do produto é uma delas. Para mim, a metodologia Lean Startup é leitura obrigatória para escapar do Vale da Morte. Para quem tem interesse, a Xtensio possui um template gratuito.
Se existe um problema real, é muito provável que as pessoas paguem pela solução. Saul Orbach, investidor serial me ensinou: “primeiro entender a sua estratégia para depois apresentar qual é o time que resolve isso”.
Outro grande desafio enfrentado pelas startups é levantar capital. Em média, os fundos avaliam 100 pitchs para investir em um e levam 90 segundos para avaliar a proposta de negócio. Sendo assim, é fundamental que o seu pitch seja perfeito e contenha as informações necessárias para que quem assina o cheque compre a sua ideia.
Geralmente, essas são as oito perguntas para as quais os investidores querem resposta:
- Qual é o problema que a sua startup resolve?
- Qual é o tamanho do mercado?
- Como funciona a solução?
- De que forma a sua startup se difere dos concorrentes?
- Qual é o cenário competitivo, já existem soluções similares?
- Qual é a estratégia (tração)?
- Quem faz parte da sua equipe, qual é a experiência dessas pessoas (fundadores, C-levels e assessores)?
- Do que a sua startup precisa, qual é sua maior necessidade?
Se ao longo da sua apresentação você conseguir abordar todas essas questões de maneira clara e precisa, a chance de conseguir levantar recursos será grande.Pelo que presenciei em Israel, os empreendedores já entenderam o caminho das pedras para sair de uma startup e se tornar uma scaleup: começar com um bom time, focar nos usuários, definir os trabalhos a serem feitos e encontrar os early adopters. Em resumo: Think big, Start small, Move fast, Make history.
*Alexandre Cracovsky é vice-presidente na ADVISIA Investimentos, onde assessora empresas em transações tanto no sell-side quanto no buy-side.