
No dia 20 de março de 2003, o mundo passou por um dos maiores engodos já produzidos na história. Sob a alegação não comprovada de possuir armas de destruição em massa, o governo norte-americano, liderado por George W. Bush, ordenou a invasão do Iraque e a troca de regime, com a condenação de Saddam Hussein – um ditador execrável – mas que ainda era responsável pela manutenção de relativa estabilidade no país.
Bush, utilizara da mídia para anunciar a guerra e prometer acabar com Hussein, libertar o povo iraquiano, destruir as armas e defender o mundo do grave perigo representado pelo país rico em petróleo, e que, convenientemente, reduziria a pressão saudita sobre Washington. A forças dos Estados Unidos e Reino Unido, no entanto, jamais encontraram as armas de destruição em massa. A promessa de paz e melhoria de condições no Iraque jamais se tornaram uma realidade num país que continua marcado pelo conflito, uma economia devastada e um cenário político de elevada instabilidade. No cômputo dessa guerra desnecessária, duzentos mil civis iraquianos e quatro mil e quinhentos soldados norte-americanos perderam a vida.
Desta atuação desastrosa podem ser aprendidas algumas lições importantes. Em primeiro lugar, a resolução para os problemas do Oriente Médio tem de originar-se na própria região. Acreditar que, por imposição externa, os países vão comportar-se como a democracia norte-americana é um equívoco gravíssimo. Até porque como a democracia não é monolítica nem única, ela se apresenta de várias maneiras, conforme a escolha da população de cada local. Em segundo lugar, a troca de regime – a retirada de Saddam Hussein do poder – sem uma solução refletida quanto à sucessão e o dia seguinte, é perigosa. Infelizmente, em muitas circunstâncias, é preferível o mal conhecido ao bem desconhecido, porque a situação sempre pode piorar, conforme evidenciado pela situação no Iraque e Líbia.
Em terceiro lugar, o caos e as milhares de mortes geraram no país e na região uma cicatriz difícil de curar contra o Ocidente. Afinal, diferentemente daquilo que ocorreu na Europa após a Segunda Guerra Mundial, a vida não melhorou substancialmente no Iraque. Na realidade, pode-se dizer que até piorou. E em quarto lugar, ficou claro que as grandes potências, quando desejam, interpretam o Direito Internacional a seu bel-prazer, sob a falsa e hipócrita alegação de busca da paz.
O resultado é que o Iraque criou um precedente global muito perigoso. A Guerra da Ucrânia evidenciou a atuação de Vladimir Putin seguindo à risca o precedente estabelecido pelos Estados Unidos em 2003. Além disso, Putin justificou a sua atuação devido à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em sua área de influência. É por esta razão que a Guerra na Ucrânia tem sido tratada pelo Sul Global mais como um confronto entre Estados Unidos e Rússia do que, efetivamente, uma guerra entre Ucrânia e Rússia.
O objetivo de Washington quanto a Moscou parece claro: trocar o regime, retirando Putin do poder. É uma aposta arriscada. Sem ter claro como será o dia seguinte dessa estratégia, qualquer movimentação pode gerar elevadíssimos custos para toda a humanidade, que se deu conta, pós-conflito do Iraque, que as grandes potências também manipulam para atingir seus objetivos escusos. Que o mundo não seja mais enganado.
*Marcus Vinicius de Freitas é professor Visitante da China Foreign Affairs University