
A visita “surpresa” de Joe Biden à Ucrânia já era esperada há algum tempo. Afinal, em território ucraniano já estiveram vários líderes globais. Era mais que esperado que o principal financiador da resistência ucraniana colocasse os pés no território do país para expressar solidariedade à liderança política e à população.
Ainda assim, a visita – combinada com os russos – foi um movimento importante do presidente norte-americano para evidenciar a determinação em derrotar as forças militares russas que invadiram a Ucrânia há um ano. Ao rever Volodymyr Zelensky, Biden prometeu mais armas para defender o país. Biden tinha três objetivos na visita.
Em primeiro lugar, enquadrar o conflito como uma batalha pela democracia, uma luta entre democracias e autocracias, com a perspectiva escatológica de uma lide entre o Bem e o Mal. Com isto, Biden tenta formatar o conflito não como uma busca pela continuidade da hegemonia norte-americana no sistema global, mas uma liça por algo mais palatável globalmente falando.
Este objetivo – ressalte-se – não tem tido sucesso, no entanto. Dois terços da opinião pública global são indiferentes ou favoráveis à Rússia e não aos Estados Unidos e à Europa, por entenderem que se trata de uma briga por manter o status quo global e que somente está prejudicando a recuperação da economia mundial.
O papel vital dos Estados Unidos
Em segundo lugar, Biden pretendia reafirmar – com o intuito de revalidar sua posição de xerife global – o papel vital dos Estados Unidos como protetor da “democracia”, embora a atuação seja limitada por interesses norte-americanos e não necessariamente daqueles atingidos pelo conflito. Em terceiro lugar, Biden também precisa manter o apoio doméstico para a continuidade da ação na Ucrânia. Há vários políticos nos Estados Unidos que têm expressado sérias dúvidas sobre o envolvimento do país no conflito.
A visita, portanto, tinha propósitos claros na sua realização. O problema, no entanto, resultante da visita, foi que, quase que imediatamente, Moscou anunciou a suspensão da participação russa no último pacto restante de controle de armas nucleares, deixando evidente que Putin não pretende alterar qualquer estratégia em relação à Ucrânia.
Embora Biden tenha logrado fortalecer a resiliência de Zelensky e da Ucrânia na guerra, por outro lado, reacendeu em Putin e no povo russo a desconfiança de que o objetivo do Ocidente no conflito não é só derrotar a Rússia, mas desintegrar o país e humilhá-lo globalmente.
Como resultado dessa situação, Putin dobrou a aposta e declarou que Moscou suspenderia sua participação no Novo Tratado Start, assinado em 2010 pela Rússia e Estados Unidos, limitando o número de ogivas nucleares de longo alcance possíveis de uso e a limitação do uso de mísseis transportando armas atômicas.
Putin anunciou, ainda, que a Rússia retomará os testes de armas nucleares se os Estados Unidos o fizerem, algo proibido desde o fim da Guerra Fria, na década de 1990. A visita evidenciou uma triste realidade: está restaurada a Guerra Fria desta vez com dois inimigos: Rússia e China. Enfim, uma visita, várias consequências. E o mundo, muito mais inseguro.