A abertura de capital de uma empresa em uma bolsa de valores costumava ser o objetivo final de um empreendedor para o seu negócio. Afinal, o IPO trazia uma aura de relevância, servindo como um selo de aprovação do potencial da empresa.
Não mais.
Quando, em 2018, Uber, Pinterest e AirBnb eram questionados sobre quando abririam seu capital, as respostas giravam na ideia de continuarem privadas por mais tempo. A escolha por continuar como empresas privadas cresce junto ao capital disponível no mercado privado.
Com volumes cada vez maiores de investimento em startups privadas, não é mais obrigatório buscar o IPO para capitalizar um negócio em crescimento. Há muito dinheiro disponível para financiar a inovação antes da abertura de capital.
Grandes nomes do mercado de tecnologia dos Estados Unidos continuam operando como empresas privadas – da SpaceX, de Elon Musk, passando pela Stripe, indo até o Telegram. Todas elas com valorizações que justificariam o interesse em abrir o capital, mas, até agora, nada.
Alguns dos motivos para a fuga do IPO podem ser a busca de maior controle, menor escrutínio do mercado, fugir de padrões de governança e aumentar o potencial de inovação do negócio.
Também há questão de exemplos de abertura não tão bons: o IPO do Uber, por exemplo, foi considerado um fiasco por muitos – com ações até hoje com valor menor que o preço alvo do momento da listagem inicial.
Entenda mais dos motivos que levam as startups a adiarem a abertura de seu capital na Bolsa de Valores.
CONTROLE
Ao fazer o IPO, uma das primeiras consequências é a perda de controle. Em uma abertura de capital tradicional, as ações oferecem direito a voto. Algumas empresas adotam ações dual-class para mitigar uma possível menor autonomia para tomar decisões, como foi o caso do Google (Alphabet) quando abriu capital.
Ainda assim, as empresas precisam passar a prestar contas aos investidores, entregar relatórios extensivos sobre o negócio, ter uma área de relação com investidores e lidar com as expectativas do mercado. Inevitavelmente, as decisões passam a ser tomadas com maior burocracia e, portanto, de forma mais lenta.
GOVERNANÇA
Os requerimentos de estrutura de governança e de controle são outro motivo para adiar um IPO. Conselhos administrativos, estrutura de compliance, departamentos jurídicos numerosos e maior transparência de todos os processos costumam assombrar os empreendedores que escolhem abrir o capital.
Não só pelo desejo de evitar esses entraves, mas também pela possibilidade de conseguir capital de outras maneiras, menos controladoras, a via do IPO fica cada vez menos movimentada, e o caminho até lá, mais longo.
Imagine que você é fundador de uma startup de sucesso e diversos fundos e investidores oferecem milhões de dólares para participar do seu negócio, sem muitos questionamentos e sem perder o controle, por que você iria optar pelo IPO?
INOVAÇÃO
Com maior controle do orçamento, maior tempo necessário para lidar com o mercado de capitais e estruturas mais complexas, a empresa vai perdendo a cara de startup e as características – sendo uma delas, a mais marcante, a capacidade de inovar. Há dados que mostram que é benéfico para a inovação uma empresa se manter fechada.
Claro, há casos de empresas de tecnologia que foram a público sem perder seu potencial de inovação, mas inevitavelmente as dificuldades são maiores para manter essa cultura em uma empresa de capital aberto.
Tendência que veio para ficar
Independente do motivo que afasta os empreendedores da abertura de capital, se não houvesse uma outra maneira de captar dinheiro para crescer, todos precisariam se render ao IPO em um momento anterior em suas trajetórias. A diferença está na quantidade de capital disponibilizada pelo venture capital: são bilhões de dólares à disposição dos empreendedores, com muito menos burocracia.
A prova da atratividade desse capital é que o número de empresas listadas publicamente nos EUA caiu 52% do final dos anos 90 para 2016. Já o volume investido através de venture capital em 2021 foi de US$621 bilhões globalmente – mais que o dobro investido em 2020 (US$294 bilhões).
Embora a tendência tenha começado nos EUA, outros países já começam a se inspirar nos novos períodos de duração da fase fechada das empresas. No Brasil, exemplos como o Nubank, que passou quase uma década com o capital fechado, e atualmente, QuintoAndar que já está avaliado em mais de US$4 bilhões.
A diferença entre o venture capital brasileiro e o americano está na falta de liquidez do mercado brasileiro. Como ainda não há, assim como existe nos EUA, legislação que permita a transação de ações em um mercado secundário, para que fundadores, colaboradores e investidores dessas empresas possam vender suas ações, é necessário realizar um IPO ou algum evento que confira liquidez ao investimento (como novas rodadas ou M&A). Em breve, é esperada uma atualização na regulamentação desse mercado que permitirá transacionar essas ações de forma facilitada e organizada.