Em um ano conturbado e ainda bastante afetado pela pandemia de Covid-19, a bolsa de valores brasileira ainda conseguiu encerrar o ano de 2021 com 45 IPOs (Oferta Pública Inicial de Ações) e 26 follow-ons. Em todo período, o mercado de ofertas ano passado movimentou R$ 126,9 bilhões, sendo R$ 65,2 bilhões em ofertas primárias e R$ 61,6 bilhões em operações secundárias. O montante ficou atrás apenas do recorde em 2010, em que os IPOs e follow-ons levantaram R$ 149,2 bilhões.
Um resultado que impressiona, afinal, em 2020, a B3 teve 27 IPOs e 23 follow-ons, movimentando apenas R$ 117,8 bilhões. No entanto, algumas empresas apresentaram folêgo no início, mas foram perdendo força nos ativos após o dia da estreia. Porém, por quê isso acontece? Alguns especialistas apostam em má gestão ou apenas um reflexo mundial das altas inflacionárias – que reverberam o cenário brasileiro.
Mesmo diante desse cenário controverso,o tema chama atenção de investidores que pouco sabem o que de fato é um IPO, qual o seu histórico e por qual motivo alguns especialistas optam por entrar de vez no ativo ou esperar para analisá-lo melhor – será que vale a pena? Para analisar o histórico, é preciso entender como é feito o processo dentro da B3 – logo em seguida, falaremos de histórico, cases e futuro para os IPOs no Brasil.
Em uma clara evolução, é necessário reconhecer os avanços da B3 diante da digitalização dos sistemas operacionais do mercado de capitais. Neste sentido, a bolsa brasileira, mesmo com percalços, é a quarta maior em volume médio captado em ofertas públicas iniciais (288,1 milhões de dólares), de acordo com levantamento da Bloomberg em 2021. Ficando atrás apenas da NYSE, bolsa de Hong Kong e LSE, do Reino Unido.
Como funciona a estreia de uma empresa na Bolsa
Considerado um momento de “mudança de mentalidade” da empresa, esta é a fase que representa a primeira vez que uma empresa receberá novos sócios realizando uma oferta de ações ao mercado. Ela se torna, então, uma companhia de capital aberto com papéis negociados no pregão da bolsa de valores.
Entre as principais razões de se listar na bolsa brasileira estão: capital: a busca por maneiras que as empresas têm para levantar recursos; liquidez: forma de vender suas ações a outros investidores do mercado; e imagem: adequar seus processos internos e elevar o nível de transparência.
Mesmo parecendo fácil, é um processo que demanda tempo e paciência por parte dos interessados. Extremamente burocrático, o passo a passo de um registro de IPO passa por fases como: auditorias e muito planejamento, roadshows – reuniões estratégicas com os interessados pela oferta no mercado a partir de assessoria de instituições financeiras, registro e listagem, prospecto, bookbuilding e período de reserva – e, finalmente, o dia “D”, da estreia – todo este período pode levar alguns anos de planejamento.
De acordo com o Guia do IPO da B3 também são considerados requerimentos necessários para a listagem: ser uma sociedade constituída sob a forma de S.A; ter três anos de demonstrações financeiras auditadas por auditor independente registrado na CVM (ou auditado desde o início para caso de empresas com menos de 3 anos); designar diretor de RI estatutário; possuir Conselho de Administração; identificar eventual segmento de listagem e fazer o pedido de listagem e de admissão à negociação na B3; realizar oferta pública de distribuição de valores mobiliários registrada ou dispensada de registro pela CVM e devem ser observados também os requerimentos específicos dos segmentos de listagem escolhido.
Quais são os tipos de ofertas que encontro em um IPO?
A oferta de ações em um IPO pode variar de acordo com a origem dos papéis – e o destino dado a eles. Mas nada tão complexo. Veja:
A partir de ofertas primárias: Vendas de novas ações emitidas por empresas no mercado. O dinheiro dessa operação vai direto para o caixa das empresas, logo, impactando o seu capital social e expansão de negócios.
A partir de ofertas secundárias: Vendas de ações que já existiam, portanto, não realizam um aumento de capital. Estes papéis estão diretamente ligados aos sócios. Neste caso, portanto, o dinheiro da operação vai para o bolso dos donos dos papéis que já foram vendidos.
Histórico x Retorno: IPOs dos últimos 10 anos
Para saber se realmente vale a pena entrar em um IPO, a análise do histórico da empresa deve ser considerada do início ao fim de todo o processo – que, como dito anteriormente, não é fácil. De acordo com Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama, é necessário ter cautela e analisar históricos das empresas – e a motivação para a oferta pública de ações.
“Tivemos muitos IPOs [em 2021].E quando temos essa safra de muitas empresas abrindo capital temos que tomar cuidado.[…]. Só que a gente pegou essa virada de cenário e, por isso, temos que analisar caso a caso criteriosamente”, afirmou em entrevista à BM&C News.
Pensando nisso, levantamos o desempenho de IPOs que foram listados, em parceria com a Economatica – e seus respectivos retornos e valor de mercado – em um período de 10 anos.
Neste estudo, a temporalidade maior é essencial para avaliar o cenário como um todo. Mas indo além: outros dois itens são importantes para avaliação de quem quer entrar (e sair) de um IPO. De acordo com o levantamento, as 5 empresas que tiveram o melhor retorno desde sua estreia há 10 anos (até o dia 7 de fevereiro) na bolsa foram:
Magazine Luiza (MGLU3), Locamerica (LCAM3), Banco Inter (BIDI4), Sinqia (SQIA3), Simpar (SIMH3). No entanto, é possível ver que não existe um segmento padrão de “sucesso”, uma vez que, algumas empresas foram listadas bem antes e outras mais novas já alcançam resultados próximos aos considerados “anfitriões”.
No entanto, quando consideramos o valor de mercado, o cenário da lista muda. Esta “métrica” é utilizada para se referir ao preço que o mercado está pagando por uma companhia, por exemplo. O valor de mercado é calculado multiplicando o número de ações em circulação pelo preço atual de cada papel.
Diferentemente do retorno do papel, nesta configuração duas empresas tiveram desempenho negativo quanto a performance diária. No entanto, acumulam maiores números em valor de mercado. Isso se deve a três fatores que podem ter influenciado esta distinção: fatores macroeconômicos, setoriais (crise no segmento, por exemplo) e de mercado.
Dessa forma, as 5 empresas que tiveram o melhor desempenho em valor de mercado há 10 anos (até o dia 7 de fevereiro) na bolsa foram:
Rede D’Or (RDOR3), Raízen (RAIZ4), BB Seguridade (BBSE3), Hapvida (HAPV3) e Magazine Luiza (MGLU3). Este ranking pode ser avaliado considerando crises setoriais, como por exemplo, de varejistas/e-commerce, como o da Magazine Luiza, que já acumula perda de 75% do seu valor – de queridinha a “patinho feio” do segmento.
“Se uma Amazon da vida resolve levar o mercado [varejista] brasileiro a sério, o potencial de crescimento destas empresas fica comprometido”, avalia André Massaro, analista da Carteira do Investidor.
“A visão conservadora neste caso, pelo menos, seria olhar os múltiplos de valor, por mais que não seja usual. No caso do MGLU3, considerando o índice preço/lucro, teria que cair muito para ser considerada barata”, completou.
“Má fase” e cancelamentos
Todo processo de listagem na bolsa brasileira traz ânimo e gás para as empresas interessadas neste passo. Afinal, como dito anteriormente, é um passo para expansão e investimento voltados para melhorias da companhia. No entanto, ser uma empresa estreante na bolsa pode se tornar, sim, um “pesadelo” (ou quase isso).
Em 2021, nem todas as empresas listadas conseguiram se consolidar na B3. Em outra perspectiva, algumas empresas desistiram deste processo diante da grande volatilidade no mercado. Neste ano, desde janeiro, 17 empresas já abortaram a ideia de abrir capital na bolsa brasileira.
A operação brasileira da empresa de beleza e cuidados pessoais Coty, por exemplo, e a plataforma de comércio eletrônico de pneus Cantu desistiram nos últimos dias de realizarem ofertas públicas iniciais de ações (IPO) no país, segundo informações disponibilizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O setor de Tecnologia, no qual está inserida a Dotz, foi o que mais sofreu, quando considerado o período após a estreia. Mobly (MBLY3), Getninjas (NINJ3), Westwing (WEST3), Mosaico (MOSI3), ClearSale (CLSA3) e Brisanet (BRIT3) recuaram mais de 50% após a estreia em bolsa. Estes são os dados também divulgados pela Economatica no fim do ano passado. Este é um claro exemplo de que talvez, estas aberturas poderiam ter sido reavaliadas.
Empresa | Desempenho | Início da negociação | Preço de estreia | |
Dotz (DOTZ3) | -77,27% | 28/05 | R$ 13,20 | |
Oceanpact (OPCT3) | -75,25% | 11/02 | R$ 11,15 | |
Mobly (MBLY3) | -75,24% | 04/02 | R$ 21,00 | |
Getninjas (NINJ3) | -73,50% | 14/05 | R$ 20,00 | |
Westwing (WEST3) | -73,23% | 10/02 | R$ 12,08 | |
Clearsale (CLSA3) | -66,40% | 29/07 | R$ 25,00 | |
Brisanet (BRIT3) | -60,85% | 28/07 | R$ 13,92 |
Para Victor Savioli, analista e fundador da Velotax, é preciso entender melhor o perfil do estrangeiro que está aportando no Brasil e, em seguida, levantar bons resultados para o roadshow ser efetivo. Caso contrário, algumas questões macroeconômicas podem pesar na decisão de abrir o capital.
“No primeiro momento é sempre importante mostrar resultados bons quando se vai fazer um ‘pitch’ e, para os próximos anos, você ter excelentes projeções. E, na maioria dos casos, estas projeções são baseadas na macroeconomia e na inflação, por exemplo” , explica.
No entanto, pondera que, mesmo com o Brasil indo na contramão do exterior, com a bolsa “muito barata”, este investidor externo não precisa necessariamente entrar em um IPO.
De acordo com Fábio Coelho, presidente da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), mais juros, menos crescimento, inflação em alta, incertezas e uma eleição à vista são fatores que pesam no cancelamento de abertura de capital.
“É tudo que um empresário não quer na hora de decidir sobre o futuro da empresa dele na bolsa. O que significa, por exemplo, que o valuation da companhia naquela semana desses episódios pode variar 20% para cima ou para baixo. A volatilidade causada pelo câmbio vai levar ao fechamento natural dessa janela de IPOs”, opina.
BDRs podem atrapalhar os planos
Outro fator que pode influenciar a queda no número os IPOs no Brasil é o aumento das ofertas na bolsa americana e listagem de seus BDRs, posteriormente, na B3. A sigla BDR significa Brazilian Depositary Receipts. Ela representa um certificado de ativo estrangeiro negociado no Brasil.
Uma “febre” que ganhou alavancagem com a fama dos BDRs da fintech Nubank. Com um sucesso e “doação” de ações aos clientes, o companhia virou assunto e despertou a curiosidade para o mundo dos investimentos de alguns clientes mais “conservadores”.
No entanto, este IPO ainda levanta dúvidas sobre quando entrar. Eduardo Becker, professor da B3, comentou sua perspectiva em relação aos BDRs do Nubank.
Ele destacou que para aqueles que pensam em investir para o longo prazo ainda é cedo para comprar os papéis.
“Para fazer Hold (comprar e manter), não é hora de entrar. A empresa precisa mostrar patrimônio líquido crescente, lucro líquido crescente, dívida equilibrada, receita bruta aumentando. Enquanto eu não vir esse tipo de coisa, não invisto na empresa”, afirmou.
Em relação aos BDRs de maneira geral, ele afirma que podem ser uma boa alternativa para diversificação fora do país. “Eu não acho ruim a ideia de BDRs para investidor não especialista, porque é uma maneira dele se expor a uma diversificação internacional”.
Perspectivas para 2022
Uma queda no ritmo de IPOs ao redor do mundo também é esperado após o volume recorde no ano passado. Para 2022, as perspectivas não são tão otimistas assim, uma vez que temos eleições presidenciais, além de questões externas, como conflito geopolítico entre Rússia e Ucrânia.
“Estamos em um clima de pessimismo para o mercado acionário em 2022 por diversos motivos. Essa dinâmica de juros e inflação é extramente nociva e impacta o mercado. Esse pessimismo já chegou nos IPOs e o reflexo atingiu o segundo semestre de 2021. E aquele oba-ba de valuations inflados também já está encerrado, apenas com exceções agora e deve ser a característica para 2022.”, avalia Coelho.
Confira a análise completa:
Neste aspecto, entrar ou não em um IPO depende de análise e ponderação. As empresas que visam melhorias com esta movimentação precisam também analisar o cenário também para o investidor enxergar se vale a pena ou não apostar em uma abertura de capital.
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